<$BlogRSDURL$>

Friday, October 15, 2004

Mortos ou vivos? 

Celebrando um quarto de século de carreira, aqueles cujo primeiro nome terá sido Beijinhos & Parabéns e que há vinte e cinco anos se estreavam em palco numa curta actuação nos Alunos De Apolo, maracram a data com um espectáculo duplo no Pavilhão Atlântico, neste fim-de-semana que passou.
Estou a falar, claro, dos Xutos & Pontapés.

Os concertos (pelo menos o de sexta-feira) confirmou as piores expectativas acerca das capacidades sonoras do Pavilhão Atlântico - ao fim de quatro músicas as guitarras continuavam a baralharem-se, o que se ouvia da bateria era o seu som natural, o saxofone mantinha-se inexistentemente sonoro e Tim bem mexia os lábios em frente ao microfone, mas nada se ouvia.
Mas não é isto que interessa, já que estas linhas são dedicadas por inteiro aos Xutos & Pontapés, a mairo banda de rock portuguesa.

Obstante este título (e junto também, ao recente de comendadores nacionais) a pergunta é simples: estarão os Xutos & Pontapés obsoletos?

Os Xutos irromperam há vinte e cinco anos atrás pela música portuguesa adentro, ameaçando a hemogenia do disco e propalando o punk-rock aos sete ventos. De blusão de cabedal e calças de ganga rasgadas, os Xutos impuseram-se rápida e facilmente pela sua atitude. Marca de uma geração e rosto de uma nova faceta musical que então imergira, os Xutos inovaram o rock português.

Mas quase três gerações mudam muita coisa e muita gente. Dos blusões de cabedal e das calças de ganga rotas, apenas sobraram os lenços vermelhos nos pulsos. Os Xutos já não são aquele grupo de jovens rebeldes e até já têm abelos brancos.
Três gerações também é muito tempo, musicalmente falando. Os Xutos fizeram muito pela música e sabem que o mainstreaming é uma ameaça deveras perigosa para os músicos. E sabem que XIII é um disco menor, principalmente quando têm na discografia obras maiores como Cerco ou Gritos Mudos.

Então porque continuam os Xutos a encher recintos, como na sexta-feira, no Pavilhão Atlântico?
Simples! Porque são autênticas forças da natureza, verdadeiros animais de palco. É um facto que já não têm a força e a irreverência de há vinte e cinco anos e é um facto que é o público que faz agora grande parte dos seus concertos. Mas continuam a encher o palco e o público continua a captar toda a cumplicidade inerente que o quinteto selou com o grande público há vinte e cinco anos atrás. É um dos casamentos melhores sucedidos da his´tória da música, não só dentro de portas, mas também fora delas.
É que os Xutos podem já ter cabelos brancos, filhos e até netos, mas continuam a ser os mesmos. Continuam a cantar Olá oh vida malvada com o mesmo entusiamos de quem vai pegar na guitarra e fazer-se à estrada; continuam a chamar Maria com o mesmo amor; Tim continua com a mesma alegria de sempre em cima de palco; Zé Pedro mantém o seu estilo de uma beleza degradante à Keith Richards, de quem ama a guitarra; João Cabeleira continua igual a si mesmo, imperturbável, de cigarro ao canto da boca; Gui está sempre no sítio certo na hora certa; e Kalu continua a amaldiçoar a puta da minha vida com a mesma irreverência e a embarcar no crowdsurfing como quando via os The Clash.

Os Xutos têm consciência do compromisso que têm para com milhares de portugueses e é por isso que Mundo Ao Contrário é um digno álbum da banda. Não tem o encanto de obras póstumas, mas volta a ser Xutos & Pontapés. É certo que já conhecemos todas as músicas mesmo antes de as ouvirmos, mas é sempre bom decorarmos novos temas para serem cantados a mil vozes nos concertos, quais compilações ao vivo dos grandes êxitos de duas décadas e meia de carreira.
Os Xutos já viram tudo e já fizeram tudo, como canta Zé Pedro em Submissão; não imitam ninguém nem prestam contas a quem quer que seja - é um estatuto que a longevidade permite. Por isso, têm todo o direito de se manterem activos, iguais a si mesmo, copiando-se a si próprios (se dezenas de bandas portuguesas os copiam, porque não têm eles também direito a copiarem-se a si próprios?). Com vinte e cinco anos de estrada, não esperem que os Xutos voltem a redescobrir a música. Os Xutos são o que são e valem por isso.

Resumindo: é apenas rock n' roll e nós gostamos.
E no próximo concerto lá estarei na fila da frente, lenço vermelho atado no pulso e braços cruzados bem erguidos. Porque a todos aqueles a quem estão prestes a "rockar", nós os saudamos.


[Banda Sonora - Desejo; Mundo Ao Contrário; 2004]


|

This page is powered by Blogger. Isn't yours? Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com