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Friday, January 21, 2005

Pais, filhos e filhas 

Deparo-me com uma certa dificuldade, quando após um comentário elogioso acerca de alguma banda, me perguntam por desconhecimento de causa, que tipo é isso?.
Aconteceu-me recentemente com os The Kills.

É extremamente redutor colocar rótulos nas bandas, o que não deixa de ser porém, uma tarefa inevitavelmente necessária, por questões de comodidade. No entanto, o que dizer acerca dos The Kills, quando confrontados com tal questão? Que é algo que paira entre algo garage rock-punk-blues num registo lo-fi? Que significa isso? E neste caso, também não ajuda muito a comparação, porque os The Cramps também eram algo que podia assentar nesse rótulo e que no entanto diferem dos The Kills, como a água difere do azeite.

Por isso o melhor será mesmo comprarem os álbuns. E os The Kills acabam de lançar No Wow, o novo registo de originais. Após uma primeira audição, o disco compacto cola-se como por magia ao leitor de CD's, pedindo por repetidas audições.
Por alguma razão, No Wow parece um registo completamente diferente de Keep Your On The Mean Side - talvez devido ao início do disco, numa linha de baixo hipnótica ao ritmo de uma batida ziguezagueante. Mas rapidamente percebemos que o duo continua em forma.

Os The Kills são uma parelha que se complementa, numa cumplicidade promíscua, em que os blues flirtam com o rock descaradamente, num beco escuro e frio, transformando aquela relação em algo sombrio, mas extremamente sedutor e excitante. Foder em vez de fazer amor, já se escreveu por aqui.
Em No Wow há mais condimentos nesta relação: há lágrimas mal carpidas e resquícios de noites mais selvagens. Ou seja, No Wow continua a ser blues-rock à velocidade do som, entre dois amantes unidos por laços de sangue e música. E continua a soar a algo gloriosamente barato e sujo.

Algo gloriosamente barato e sujo. Não é isto nada mais do que o rock n' roll, reduzido aos seus elementos mais básicos? Então porque é que se simplesmente dissermos que os The Kills são uma banda de rock n' roll, com raízes no blues, sentimos automaticamente que não é uma descrição suficiente?

Filhos do mesmo pai, mas de mãe diferente, surgem uns tais de Sons And Daughters, que apresentam o seu cartão de visita sob a forma do EP, Love The Cup. Jogam com os mesmos trunfos que os The Kills e ao rock e ao blues, acrescentam ainda o folk e o country. Não admira então que uma das faixas se chame Johnny Cash; o Homem de Negro não se iria importar.
Os Sons And Daughters deambulam por entre vozes masculinas e femininas, num registo minimalista de espírito blues, numa qualquer briga de bar, regada a whisky.

O blues e o rock não precisam de grandes meios para respirar. Talvez porque o blues não vive, verdadeiramente: sobrevive!
Numa atitude desesperada, num futuro quando falar acerca dos The Kills ou dos Sons And Daughters e me fizerem a fatidica pergunta, responderei que são uma banda barata e suja, blues e rock. E mais não digo!

PS- A Puta volta a atacar. Ainda bem!


[Banda Sonora - Love Is A Deserter; No Wow; 2004]


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Saturday, January 15, 2005

Ensaio jurássico 

Vemos hoje em dia, por norma quase pré-estabelecida, serem apelidados de "dinossauros" aquela que é a maior banda de rock n' roll do Mundo, os Rolling Stones. Esta adjectivação entende-se facilmente, devido à longevidade da carreira do antigo quinteto, actualmente quarteto inglês. No entanto, não será esta classificação impertinente e desajustada? Ora vejamos.

Podemos afirmar seguramente que esta adjectivação é de natureza positiva e elogiosa - uma banda que consegue manter uma carreira com quatro décadas de actividade mais ou menos interrupta, sempre com um fulgor acima da linha que separa as grandes bandas das outras medianas é obra. Mas a figura do dinossauro não se limita ao factor temporal.

Os dinossauros eram animais de grande porte, de sangue frio, que habitaram a Terra há milhões de anos atrás, muito antes do Homem e do mamífero. No entanto, por razões concretamente desconhecidas, extinguiram-se. E quaisquer que sejam essas razões, o que é certo é que foi por questões de adaptação. O dinossauro era um animal de fraca adaptabilidade, devido ao seu grande porte e isso certamente, limitou e escreveu o seu futuro.
Se estabelecermos agora a comparação entre os Rolling Stones e estes animais jurássicos, percebemos que segundo estes termos, ela não está correcta. Ora, se uma banda sobrevive à selva que é a indústria musical internacional, durante quarenta anos sem pôr um ponto final à sua carreira, é porque a sua versatilidade é patente. Por isso, a banda de Mick Jagger e Keith Richards não pode nunca ser um dinossauro.

Os dinossauros extinguiram-se porque não souberam evoluir, nem adaptar-se às modificações de um planeta em constantes mutações. Os Stones souberam manter-se à tona de água, em temros musicais, porque souberam camufular-se nessas mutações.
Às vezes com mais, outras vezes com menos fulgor, os Stones sempre se mantiveram fiéis às suas raízes e origens, absorvendo outras influências de estilos musicais que se atravessaram no seu caminho, seja a new wave electrónico dos anos 80 de Emotional Rescue, ou o reggae jamaicano de Dirty Work, por exemplo.
Não são por isso dinossauros.

Os verdadeiros dinossauros do rock serão então aqueles que não souberam evoluir e que se afundaram no marasmo musical actual. Aqueles cuja carreira musical só ainda não terminou na cabeça dos próprios membros, que teimam em enverdar por digressões inconsequentes e álbuns descabidos. Posso preencher este espaço dedicado a um nome, com os UB40, mas muitos mais haverão, o leitor saberá escolher melhor.

Os dinossauros extinguiram-se porque não gravaram mais nada de realce.
Os Stones lançaram Four Flicks em 2003, um dos DVDs musicais de maior realce dos últimos tempos.

[Banda Sonora - Worried About You; Four Flicks; 2003]


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Saturday, January 08, 2005

O Rei faz anos 

Se fosse vivo, Elvis Presley completaria hoje 70 anos.

Artista ímpar, cantor incomparável, ícone de uma geração, marca intemporal, influenciador, agitador e inovador. Elvis foi tudo isto e mais ainda. Mas para alguns, uma curta minoria, continua a ser um plagiador, um usurpador, um imitador e um excelente interpretador de canções alheias.
Seja qual for a convicção, o que é certo é que Elvis Presley foi um artista como poucos houveram até hoje, que vincou a música por uma certa zona, alterando-a e modificando-a para o rumo que tomou até hoje. Dono de uma voz inconfundível e vibrante, era principalmente, um animal de palco, uma máscara de carisma em que bastava apenas um gemido para pôr uma multidão em delírio. Uma voz talvez só comparável com a de Johnny Cash, tais eram os seus efeitos. E que será sempre recordado como o Rei. O Rei do rock n' roll. E o rei da música como a conhecemos hoje.

É certo também que a carreira de Elvis foi pulvilhada de incongruências; uma carreira cheia de altos e baixos, que não atingiu voos mais elevados devido aos rumos errantes que escolheu; uma carreira cheia de escolhas erradas, que só pode servir de mau exemplo para qualquer artista que procure um futuro minimamente proveitoso. Mesmo assim, chegou para alcançar o topo e ser coroado rei. Talvez isso queira dizer alguma coisa.

Não há dúvidas que Elvis Presley não inventou o rock. Este já existia e já antes dele, havia quem o cantasse. A maioria das grandes canções que deram projecção a Elvis não eram mais do que versões de outros artistas, na maioria negros, que apenas alteravam a velocidade. No entanto, era impensável para a altura, um negro alcançar a popularidade que poderia ter alcançado. O que não impediu que gente como Little Richard seja hoje vista como um dos pais do rock.
No entanto, Elvis teve o condão, não só de dar projecção ao rock n' roll, mas de o tornar acessível a todos. O rock n' roll era sinónimo de ritmo, de dança e de corpos a mexer; e corpos a mexer eram sinónimo de promiscuidade. Não era assim de estranhar que o rock n' roll fosse tomado como a música do Diabo. Elvis assumiu assim, sem problemas, a face do Diabo, o que lhe permitiu ser odiado por muita gente. Mas em compensação, era amado por muitas mais. E a sua abordagem ao rock n' roll foi única. Elvis não é só o Rei por ter tocado rock n' roll primeiro que os outros brancos; é o Rei pela maneira que o cantou. Com luxúria, malícia, sensualidade... Com o próprio rock n' roll na alma.

No entanto, Elvis não se contentava com o que tinha - e ele tinha tudo. Queria o cinema! E apesar do seu estatuto lhe ter permitido alcançar a sétima arte, o que é certo é que o seu talento representativo não se igualava minimamente ao musical.
O seu registo cinematográfico quedou-se por uma mão cheia de filmes que variavam entre o medíocre e o razoável, acabando por tomar sempre o papel de si próprio, ou seja, de estrela musical, em que as produtoras aproveitavam para fazer mais alguns trocos com a figura do Rei a cantar mais algumas cantilenas.
O cinema trouxe a desilusão a Elvis. Mas trouxe também a saturação pela música. E foi este o seu primeiro erro. Mas que mesmo assim teve o condão de ser a génese de algo que hoje tomamos como normal - o teledisco.
No entanto, era o princípio do fim.

Compreensivelmente, a música já não lhe dizia nada. E Elvis alistou-se na tropa. O governo esfregou as mãos de contente e não tentou salvaguardar o seu maior ícone: ter o maior ícone juvenil e não só alistado de livre vontade no exército, era a maior campanha de propaganda que não imaginariam nem nos melhores sonhos.
Os fãs temeram o pior. E o pior aconteceu, mas não como esperariam. É verdade que Elvis regressou são e salvo, mas voltara piegas e romântico. Estava apaixonado, era o amor, dirão uns. Seja o que for, Elvis atraiçoara a própria música. Tinha perdido a rebeldia, o inconformismo, o carisma... Tinha perdido o rock n' roll.
Os fãs torceram o nariz às várias tentativas de regresso e Elvis também não soube escolher o melhor caminho. As suas tentativas foram na maior parte das vezes fugas para a frente. E aproveitando o seu carisma sexual e a sua voz fenomenal, acabou por esgotar os últimos cartuchos inflando tudo o que a sua carreira anterior tinha possibilitado, terminando musicalmente nos espectáculos tristes de Las Vegas.

Quem diria que o jovem rebelde que cantava o amor, a liberdade, o sexo e a velocidade, ia ser o mesmo homem, pejado de lantejoulas, que se arrastava pelos palcos no recreio da América, destroçando corações de viúvas e românticas complexadas, depois de ter tido meio mundo feminino aos pés? Daí preferirem acreditar que aquele não era o verdadeiro Elvis. Que o verdadeiro tinha fugido para o refúgio de uma ilha deserta algures no Pacífico. E que ainda hoje continua vivo. Porque é melhor matar um ídolo na melhor altura em que o vimos, para termos dele a melhor das recordações, do que acompanhar a sua decadência.

Elvis deixaria ainda mais meia dúzia de boas canções, mas longe da genialidade dos seus tempos de rockstar. Como legado, tinha deixado a importante figura da estrela rock e do próprio rock.
Conta a sua mulher, que ao verem um concerto de Rod Stewart, Elvis exclamou assustado, ao ver o ex-vocalista dos Faces a entrar em palco vestido de lantejoulas e maquilhado, "Meu Deus, o que eu criei". Elvis criou o rock n' roll! Mas o bebé cresceu descontrolado e tornou-se num monstro generoso. Elvis viveu alheio ao crescimento do seu filho, seguindo um rumo separado. Quando tentou a reconciliação, o seu rebento rejeitou-o. E Elvis não o entendeu. Será sempre, no entanto, o pai do rock n' roll. E mais importante que isso, será o Rei.

PS- A ampola volta a fazer pop


[Banda Sonora - Blue Suede Shoes; Elvis Presley; 1956 ]


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Wednesday, January 05, 2005

Antes tarde do que nunca 

Alertado pelo leitor Rodolfo, recuperei um álbum do recém-terminado ano, chamado Thunder, Lightning, Strike, de uma tal nova banda que responde pelo nome The Go! Team, que me tinha passado despercebido.
Depois de olhar para a capa, é verdade que pensei para comigo como é que tal não me tinha prendido a atenção mais cedo. E depois de o ouvir, dei comigo a praguejar impropérios sem conta à minha própria pessoa pelo vergonhoso atraso na descoberta deste prodígio sonoro.
Uma vergonha! Mas antes tarde do que nunca.

Numa altura em que se fala tanto de revivalismos, com os anos 80 à frente da vaga, os The Go! Team conseguiram ir mais além. Recuperaram os anos 80, é certo, mas inesperadamente recuperaram o imaginário televisivo dos anos 80, os genéricos triunfantes de MacGyver ou Miami Vice, que ainda hoje cantarolamos no duche, a música pipoca dos western-spaghetti de Morricone, ou até mesmo o brilho das jóias de B.A. Baracus de The A-Team.

Estranho? Nem por isso, se escutarmos Thunder, Lightning, Strike.
A minha primeira audição foi com uma gripe descomunal e 40 de febre, mas os efeitos não deixaram de ser os mesmos depois de uma segunda audição, desta vez são.
Este álbum de avanço dos The Go! Team é uma força da natureza, que como o próprio nome indica, são raios, trovões e tempestades. E ainda acrescento ariscos, coriscos e relâmpagos.
Apesar da demência das guitarras e bateria e das freakouts vozes femininas - porque apesar de haver muitos homens a rockar, as mulheres quando rockam , rockam mesmo (alguém mencionou a Karen O ou a Peaches?) - os The Go! Team são uma etsranha combinação de punk-electro-new wave dos anos 80(?), sem descartar a harmónica de Morricone em Panther Dash, o genérico explosivo de Miami Vice, de explosões e tiroteios, em Junior Kickstart, ou a banda-sonora de um Bruce Lee preso em Los Angeles, em Everyone's A VIP To Someone.

Uma colagem de ritmos de dança, que não pode deixar de lembrar os The Avalanches, numa multiplicidade de layers e samples, que tem tanto de complexo como de agradável.
Thunder, Lightning, Strike é uma corrida alucinante, numa pista de nascar, à mercê de um dilúvio bíblico, enquanto sorrimos da intempérie e cantarolamos mais alto que os trovões.
E não estranhem se o próximo álbum se iniciar com um narrador a comentar, ao som de explosões de morteiro, in 1972 a crack commando unit was sent to prison by a military court for a crime they didn't commit...


[Banda Sonora - Feelgood By Numbers; Thunder, Lightning, Strike; 2004]


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