<$BlogRSDURL$>

Tuesday, December 28, 2004

Música de intervenção 

O espírito humano nutre de um amor incondicional por listas. Quer consicente, quer inconscientemente, qualquer indivíduo tem um apreço especial por listas do que quer que seja; é um facto, que está inscrito nos genes humanos. Assim como há os que recusam tal facto, também existem os paranóicos; pessoas obsecadas com listas, por tudo e por nada, inumerando por ordem crescente, decrescente, alfabétca, ou outro meio qualquer, tudo o que possa ser listado. É um facto incontornável e temos noção disso quando fazemos avaliações comparativas de grande parte das coisas.
Por isso, agora que nos aproximamos a passos largos para o final de mais um ano de fortuna e infortuna, é normal depararmo-nos com as mais variadas listas espalhadas pela imprensa nacional e internacioal, acerca dos melhores álbuns do ano, das melhores reedições do ano, dos melhores DVDs do ano, entre muitas outras categorias que a imgainação possa fabricar.
Depois de ter completado todas estas listas mentalmente, comecei a elaborar outra que ainda não vi referida em nenhuma revista (pelo menos que me lembre): os melhores concertos de 2004 em Portugal!

Agora desengane-se o leitor que após ler estas linhas, pensou estar perante mais um balanço musical do ano de 2004. Porque as linhas que precedem este texto, não foram mais que uma introdução a um dos músicos mais importantes do mundo, que por acaso nos deu o privilégio de nos brindar com a sua presença este ano, nos palcos do Festival Músicas do Mundo, em Sines, com um concerto memorável - Femi Kuti.
Para quem não sabe Femi Kuti é filho do falecido Fela Kuti. Fela Kuti, nigeriano, não foi só um músico deveras importante para a história da música, como foi ainda um indíviduo extremamente activo no futuro do seu país.
Kuti era assim uma espécie de fusão entre James Brown, Martin Luther King e Bob Marley. De James Brown, ganha a comparação de que, tal como o pai do soul, também ele foi o pai do afrobeat, uma fusão entre ritmos africanos com funk e dub, tudo muito groovy, que James Brown pilhou, depois de ter ficado doido ao escutar uns discos de Kuti, o que lhe fez ser acusado pelo nigeriano de plagiador. De Martin Luther King ganha a comparação de agitador político, visionário e activista, para além de sonhador de um mundo livre para todos, sem distinção de raças ou credos. Tal como o americano, também esta atitude valeu a Fela Kuti perseguições constantes por parte do governo ningeriano e acabaou também assassinado. Por fim, de Bob Marley, recebe a comparação por estar para a Nigéria em particular e para o Mundo em geral, como Bob Marley estava para a Jamaica e para o Mundo.

Fela Kuti, que muitos vaticinavam como futuro presidente da Nigéria, foi um músico de inquestionáveis qualidades, como provam os inúmeros artistas ocidentais que se deslocavam constantemente a Lagos para gravar consigo. Além disso, soube tirar partido da sua música enquanto música de intervenção. O afrobeat era um ritmo agitador de massas, que conjuga na perfeição o que os ritmos africanos têm de melhor com os melhores ritmos de dança das pistas ocidentais, nos scratchs da música electrónica e nos breaks de bateria e principalmente, dos baixos.

Depois de ter voltado do exílio para a Nigéria, Fela Kuti acabou mesmo por ser assassinado pelo Apartheid e deixou um legado de valor incalculável nos ombros do seu filho, Femi Kuti. No entanto, ao contrário do que aconteceu com os filhos de outros génios (de John Lennon ou Bob Dylan, por exemplo), Femi Kuti conseguiu manter o nível de genialidade do pai.
É certo que o seu truque residiu em manter aquilo que o seu progenitor tinha erguido, actuando ao mesmo nível, com uma música forte, de herança africana, mas com os olhos no ocidente, sempre com a força suficiente para agitar massas, mover mentes e abrir consicências. O seu papel decisivo na sociedade nigeriana é reflectido no seu papel político, em que conjuga a força da música, com a adoração divina e os ideais políticos.

Femi Kuti é assim a prova viva do poder da música. Não é só um artista excepcional, uma fera de palco com uma energia contagiante que proporciona em palco, alguns dos melhores momentos de vida de quem assiste aos seus concertos, como uma voz activa de frente política, em busca de um Mundo melhor.
Porque a música é a expressão de um Homem e o Mundo move-se por vontade do Homem. Por isso, a música pode muito bem mover um mundo!


<[Banda Sonora - Oyimbo; Africa Shrine; 2004]


|

This page is powered by Blogger. Isn't yours? Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com