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Saturday, February 05, 2005

A música pura 

Há uma afirmação (dita por mim) que defende os White Stripes como, quiçá, a banda mais interessante a aparecer na última década, afirmação cuja validade não me apetece discutar de momento.
O motivo pelo qual a puxo prende-se com a própria música dos White Stripes. Muito já se falou dela, muita tinta já correu por linhas intermináveis de texto e vários quilómetros de papel já foram gastos em (tentativas de) descrições do som do duo de Detroit; e mesmo assim, ainda muito há para escrever.
Resumidamente, os White Stripes foram preponderante no tal revivalismo rock encabeçado pelos Strokes, que assaltou o Mundo, ávido por novas revelações, mesmo que estas sejam apenas relampejos do passado, tomado como presente e logo futuro.
Os White Stripes são um duo que utiliza apenas a guitarra e a bateria (e as teclas, ocasionalmente) para reviver um blues genuíno de histórias cantadas, original e minimalista, em moldes pouco convencionais do que até então estavamos habituados.
São muitos os que se vergam perante os irmãos White (mesmo que já tenham sido casados, serão sempre chamados de irmãos), boquiabertos com a sua originalidade e inovação ao transportarem o blues num registo minimalista pousado no binómio guitarra/bateria. Terão essas pessoas razão, será esse molde tão original assim?

Jack Splash é o cabecilha do trio Plantlife, uma das grandes revelações do ano transacto do funk. Os Plantlife são uma banda que faz hip-hop para quem não gosta de hip-hop e que dá uma lição de funk aos que gostam de hip-hop. Se existe uma cena invisível e não palpável, que é onde se encontram os Outkast, especialmente a facção The Love Below, de Andre 3000, os Plantlife são o passo natural evolutivo seguinte.
Ouvir The Return Of Jack Splash, o álbum debutante deste trio norte-americano, é o mesmo que escutar simultaneamente o funk de James Brown, de Sly & The Family Stone, de Prince, ou dos Parliament, numa fusão de funk-soul-disco estranha, mas eficaz.
Jack Splash disse recentemente, em entrevista, que não se sente ofendido com tais comparações, apenas se sentiria se dissessem que os Plantlife se resumiam a um nome específico. Justifica-se perante tal posição afirmando que não existe música pura, que tal é um mito. Todos têm influências, só que no tempo dos Beach Boys ou dos Beatles, tal não era referido devido ao reduzido acesso à música em geral. Jack Splash dá mesmo o exemplo concreto das influências country na música do mestre da soul, Stevie Wonder, ou das influências soul no deus do rock, Jimi Hendrix.
Estará essa ideia certa, será a música pura um mito e uma utopia?

Podem ser falsas até ambas as questões, mas foram um óptimo pretexto para puxar à conversa o que realmente queria: os blues do Delta!
Todos sabemos que os blues nasceram nos campos de algodão do Mississipi, quando os afro-americanos começaram a lamentar-se à lua e ao demónio das suas tristes sinas, com uma velha guitarra a tira-colo como veículo das lamúrias. Esses blues tiveram vários filhos, alguns bastardos, que se multiplicaram como manda o versículo bíblico: Multiplicai-vos!.
Assim, desse berço que o foi o Delta do Mississipi, foram paridos vários nomes que, apesar da sua importância para a história da música, raramente são mencionados, ou mesmo conhecidos. São estes nomes que influenciaram um certo Howlin' Wolf ou mesmo um certo Robert Johnson, o qual assume muitas vezes a paternidade da música.

Chegamos aqui à primeira questão que levantei no princípio deste ensaio. Os White Stripes são, sem dúvida, a mais importante banda da última década, nem que seja unicamente pelo facto de terem resgatado das trevas do esquecimento comum, os blues do Delta. Nomes como Leadbelly ou Son House, são frequentemente, reanimados pela boca de Jack White, sejam nas suas versões, sejam nas suas próprias canções originais. E o rock/blues minimalista do duo de Detroit não é mais que a evolução directa dos blues do Delta, electrificado e sujeito ao filtro da revolução industrial. É o passo evolutivo seguinte, tal como são os Plantlife em relação à barra evolutiva do funk, logo a seguir aos Outkast. E chegamos aqui à segunda questão.
É verdade que os até os Beatles e os Beach Boys tinham as suas influências. E antes deles? Haveria música pura?
Ouvir os lamentos da guitarra e da voz de falsete de Skip James, as histórias narradas ao ritmo de uma guitarra e uma garrafa de whisky de Blind Willie McTell, ou a voz à capela de Son House, não é a forma mais pura da música popular contemporânea? Virgens dos ruídos de outras influências, os blues do Delta soavam a testemunhos, cuja veracidade era atestada apenas pela viola acústica.
E se conseguirmos abstrair-nos, por entre os estalidos do vinil envelhecido (porque as remasterizações em CD destes artistas não são mais do que sacrilégios), conseguimos ouvir toda a pureza da música.


[Banda Sonora - John, The Revelator; The Delta Blues; 2003]


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