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Friday, February 18, 2005

O vírus da idade 

Time Waits For No One, ou, o tempo não espera por ninguém, já cantava Mick Jagger em 1974. O passar do calendário repercute-se em todos nós, sejamos santos ou diabos, pecadores ou misericordiosos, cantores ou políticos.
Com o passar do tempo, o corpo começa a vergar-se ao peso dos anos e fica mais vulnerável a enfermes. No caso dos músicos, o caso é ainda mais grave, porque são ameaçados por um outro vírus, dos quais fogem como o diabo da cruz - o chamado vírus da idade.

Se nunca ouviu falar desta doença, não se admire, nem tão pouco entre em preocupações, pois tal é extremamente normal. Devido ao receio que este vírus incute nas pessoas, a sua menção é muito rara à boca chei. E a partir de uma certa idade, é quase inevitável nos músicos. Mesmo os mais saudáveis, que estamos habituados a ver cheios de garra e criatividade, são susceptíveis a tal praga. Ninguém sabe como é transmitido, mas presume-se que só afecte os bons artistas musicais. E digo presume-se, porque mesmo que afecte os maus artistas, tal efeito é pouco, ou mesmo nada perceptível nos mesmos.

E quais são os sintomas de quem padece de tal vírus?
O músico pode ter tido a maior carreira musical que podia sonhar na adolescência, que mesmo assim não escapa ao vírus. Com efeito, a partir de uma certa idade, este ataca-o e debilita-o. Essa debilidade rapidamente é detectada no próximo álbum do artista afectado. Depois de um par de álbuns bem agradáveis ao ouvido, o artista enfermo começa a compor discos de qualidade inferior. No entanto, a debilidade não fica por aqui e a qualidade dos álbuns posteriores continua a decair até bater no fundo, podendo mesmo recorrer a colaborações com outros músicos infectados, ou mesmo - pasme-se - com maus artistas. Então, tudo o que saia sob o nome do artista infectado não são mais do que grandes pastelões insonsos e sem açucar, destinados à radio devido ao seu carácter orelhudo e radiofriendly e destinados a colocar o artista noutros patamares.

Se não está a ver ninguém afectado pelo vírus da idade, refresco-lhe a memória com um dos casos mais gritantes - Stevie Wonder nasceu para a música em 1963, agarrado a um piano e desprovido de visão, o que lhe aumentava a sensibilidade nos outros sentidos. O seu piano descarregava doses industriais de um soul e funk viciante e a sua presença era sinónimo de uma noite cheia de groove. Rapidamente se tornou referência incontornável no soul e no funk e também no reggae e nos blues. Agoirava-se um futuro radioso para Stevie Wonder, um percuso sem obstávulos até ao pedestral destinado aos grande snomes da música.
Puro engano! O que as pessoas se esqueciam é que Stevie Wonder também envelhecia e com o envelhecer do corpo e da mente, ficava susceptível a apanhar o vírus da idade. E não conseguiu escapar. Logo após a primeira picada, a qualidade dos seus álbuns começou a decair, até que bateu no fundo com o pastelão I Just Called To Say I Love You, destinado a românticas quarentonas e a uma mulher de vermelho.

Outro caso que vou referir é bem mais recente, mas não menos preocupante.
Ainda deve estar no imaginário e no ouvido de cada um, uma das mais interessantes bandas que surgiram na década de 80, fundindo no mesmo caldeirão punk, ska e new wave. Esta improvável combinação deu nos The Police, uma banda profícua e interessante. No entanto, o vírus da idade colheu um dos membros da banda na altura mais indesejada: no auge da banda. Sting, afectado pela doença apesar de ainda novo, canta de cisne em Synchronicity e deixa os restantes dois membros dos Police órfãos, enverdando pela carreira a solo. E rapidamente, empilham-se os discos de qualidade duvidosa, sempre a decair, até tropeçar nas baladas intermináveis, para gáudio das tardes da rádio nacional.

Como estes dois, são muitos outros os casos que poderia referir. São fáceis de identificar.
E não haverá cura para o vírus da idade? Não está confirmado, mas pelo menos parece ser possível enganar o bicho das suas influências maléovolas. Ora vejamos Eric Clapton.
Um dos últimos deuses da guitarra ainda vivo, mal desceu dos céus, começou a dar cartas no mundo musical, primeiro com os inovadores Cream, depois com a referência Derek And The Dominos e por fim, a solo. No entanto, depois de uma fase complicada de enclausuramento na prórpia casa, refém da heróina e da cocaína, Clapton reabilitou-se para a vida e para a música. Porém, faltava-lhe ser atingido pelo flagelo do vírus da idade.
Acontece em plena década de 80 e Eric Clapton chega mesmo a recorrer, desesperado, a outro músico vítima do mesmo vírus - Phil Collins. É talvez com Behind The Sun que Clapton começa a querer vencer a enfermidade. E depois de alguns melhoramentos e algumas recaídas, o mago da guitarra começa a enganar o vírus da idade, reagindo como se fosse mais novo: pede boleia a outro rei, faz mesmo uma vénia ao "pai" Johnson e reanima os Cream. De momento, parece não estar afectado. Mas curado realmente? Impossível dizer, só o tempo o dirá.

O vírus da idade é assim um flagelo tremendo para os músicos. No entanto, apesar de raras vezes, o músico consegue mesmo passar incólume ao bicho, isto se a sua carreira permitir, claro.
Há ainda outras situações, em que parece que o músico está afectado, mas que tal é só uma ilusão de nossa parte. Normalmente, são indecisões de índole pessoal. Por exemplo, Paul McCartnney desde o fim dos Beatles que parece confuso. Ou então Mick Jagger, que por vezes esquece-se do talhante que é nos Stones e pensa que é cantor romântico.


[Banda Sonora - Fingertips Pt 1 $ 2; At The Close Of A Century; 1962]

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