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Wednesday, March 16, 2005

Mundos alienados 

Wes Anderson é um tipo com uma extrema falta de sorte nas traduções que fazem dos títulos dos seus filmes para português. Mas o que é isso comparado com a qualidade inequívoca dos seus trabalhos cinematográficos?
É claro que chateia imenso ir assistir a um filme que viu ser traduzido o título The Royal Tenenbaums para Uma Comédia Genial. Ainda para mais, Uma Comédia Genial é o título comum a qualquer filme de domingo à tarde, os quais evitamos tal como o Diabo evita a cruz.

Wes Anderson é um realizador que, em apenas três filmes, conseguiu deixar atrás de si um rasto cinematográfico inconfundível. Arrisca-se mesmo a ter, qualquer dia, o seu nome transformado em adjectivo, tal como teve Fellini. Ou seja, um dia, num futuro não distante, adjectivaremos de andersoniano, qualquer filme alienado, peculiar e invulgar que nos for colocado à frente dos olhos.
O cinema de autor de Wes Anderson é um universo próprio. Assistirmos a Rushmore, The Royal Tenenbaums ou The Life Aquatic With Steve Zisssou, são experiências completamente diferentes, uma vez que cada um deles é um universo destinto e independente. Cada filme é como um micro-universo dentro de um macro-universo, que é o próprio cinema. Ou então, é como uma realidade paralela alterativa, onde tudo é a face oposta do espelho da realidade em que vivemos.

Alice não atravessou o espelho para ir ter áquele País das Maravilhas; bastou-lhe meter uns ácidos para alucinar com Raínhas de Copas, coelhos atrasados ou lagartas a fumar cachimbo em cima de cogumelos. John Lennon e Paul McCartney também não se inspiraram num qualquer desenho infantil para comporem Lucy In The Sky With Diamons; bastou alguma noite encharcada em LSD para criar uma cantilena psicadélica em caleidoscópio. Por isso, não se pense que Wes Anderson passa horas e dias inteiros em frente a uma folha de papel em branco, virando e revirando ideias, para criar os seus universos cinematográficos; deve-lhe bastar uma boa noite de cavaqueira com os amigos, num qualquer bar local, bem regado a cerveja (ou a whisky, uma vez que as celebridades só bebem bebidas caras).

The Life Aquatic With Steve Zissou é o seu mais recente filme, que estreia entre nós este mês, com o infeliz título de Um Peixe Fora De Água. Neste micro-universo há um Jacques Cousteau com nome de jogador galáctico de futebol, que afinal não é mais que Ishmael. No entanto, o caso mais peculiar desta realidade alternativa é um rapaz negro que por lá circula, também com nome de estrela de futebol, que quando se senta com a sua viola, começa a dedilhar versões acústicas de músicas de David Bowie cantadas em português.
Haverá algo mais estranho que isto? A partir daqui, tudo o que Wes Anderson criar já não causará espanto.

Esse rapaz responde pelo nome de Seu Jorge. É brasileiro e é actor, que começou a circular pelas bocas do mundo com a participação no genial A Cidade De Deus, sob o nome de Mané Galinha. No entanto, o que poucos sabem é que Seu Jorge tambem é cantor, compositor e músico, e editou no ano transacto um dos mais interessantes discos de 2004 - Cru.

Em Cru, o seu segundo álbum, ouvimos um universo deveras peculiar, tal como acontece ao assistirmos a um filme de Wes Anderson. Cru é o espelho do seu criador: da sua admiração pela pandeireta do samba de Zeca Pagodinho, da sua admiração pelo tropicalismo de Caetano Veloso, da sua admiração pelo multifacetismo de Tom Zé, da sua admiração pelo piano funk de Stevie Wonder, pela sua admiração pelo transformismo de David Bowie e da sua admiração por Romário(?). Em Cru ouvimos samba francês, flamengo brasileiro ou outras alienações do género.
Não é a quinta dimensão. Mas é uma dimensão alternativa de boa e imperdível música.


[Banda Sonora - Chatterton; Cru; 2004]

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